Podcast inesperado, Talking Watches, um pouco mais sobre quem escreve aqui
Foram tantas epifanias em um vídeo que preciso descobrir por onde começar
Agora que o podcast foi ao ar, vocês oficialmente conhecem o Paulo. Até então, eu era o criador desta newsletter e é sempre muito bom dar um rosto e uma voz a quem vocês leem por aqui. Um prazer, pessoal!
Com isso em mente, fui convidado para ir ao podcast do Bernardo Entusiasta — algo que confesso que me deixou bem surpreso, pois, quando o convite veio, eu tinha começado a escrever havia só algumas semanas. O Bruno (aquela voz simpática por trás das câmeras) muito gentilmente me mandou uma mensagem e não tinha como não aceitar o convite. Gravamos. Sim, muito frio na barriga, pois nunca tinha aparecido publicamente, muito menos falando sobre relógios. O papo com o Bernardo fluiu bem e ele foi extremamente receptivo comigo. É sempre “fácil” conversar com pessoas que gostam desses objetos de precisão. Não só isso, toda a equipe que estava no set foi super, e digo super simpática, comigo. Todos muito profissionais e educados, um ambiente extremamente prazeroso e raro. Foi revigorante ver o talento do Erik (fotografia e cinematografia) pessoalmente.
Conto que a cereja do bolo, em dose dupla aliás, foi ter dois amigos comigo no dia. Um deles veio do Sul (sim, ele pegou um avião) para acompanhar a gravação e, logo na sequência do meu papo, chegou o Pedro Mazer (@horollogica). O tempo voou. Rimos. Foi sensacional.
No mais, o que eu gostaria de dividir aqui hoje é o porquê de eu ter trazido alguns pontos específicos no meu papo com o Bernardo. Eu mencionei várias frentes que essencialmente forjaram o hobby como algo “sério” para mim. Eu me vi voltando quinze anos no tempo e, olha, foi no mínimo curioso entender isso de novo, dado que hoje em dia eu tenho uma newsletter de relógios como passatempo.
O Talking Watches que catapultou o negócio, e um pouco antes disso:
Como disse na conversa, eu nasci gostando de relógio. Desde que me entendo por gente, eu gosto e lembro fortemente de pedir algum quando meus pais viajavam. Em qualquer ida ao shopping, eu via as vitrines e sempre curtia.
O fato antecedente ao Talking Watches foi aos quinze anos. Fui almoçar com minha mãe e, por acaso, encontramos um primo nosso no restaurante (ele vai ler isso aqui e rir). Logo que ele veio nos cumprimentar, eu vi algo no punho dele que pensei na hora: que isso? Que coisa bonita essa aí! O que eu tinha visto, sem saber, era o vidro abaulado de um Daytona, que, por sinal, é uma das características mais marcantes do modelo e pouco comentada (digo isso pois o bezel angulado destaca a safira levemente levantada ainda mais). Eu vi aquele círculo super afiado com as bordas sutis embranquecidas e transparentes e logo foquei no relógio em si.
Aquele brilho característico de um Rolex, e aquele perfil ultraelegante do Daytona. As dimensões praticamente perfeitas rente ao punho, com aquela caixa relativamente pequena e muito, muito chique. “C., que isso no seu pulso? 👀”, disse o Paulo de quinze anos pro primo. Eu era meio atrevido (acho que piorou). Ali eu descobri o que era um Daytona. Ali eu descobri que existia um relógio difícil de comprar na loja. Ali eu descobri que seria possível vender um relógio por um valor próximo ao que foi pago. E, mais importante, ali eu descobri um relógio que eu achava desesperadamente bonito. Eu nunca mais esqueci o que era um Daytona 116520, porque, depois disso, eu simplesmente pensei nesse relógio todos os dias, pelos próximos anos. Se abrissem minha cabeça, a primeira coisa que iam ver era um Daytona de aço.
“‘O Hodinkee virou minha bíblia e o Ben Clymer, meu papa’”, falei diretamente no meu bate-papo. E falo isso com toda sinceridade, pois se mantém verdade até hoje. Foi um game-changer, no sentido mais literal da palavra, ter descoberto esse site — pois muito da minha apreciação por relógios foi embasada nos artigos do Ben, em especial. Especificamente, um Talking Watches e um artigo foram suficientes para levar meu interesse a um patamar que eu nem sabia que era possível.
Talking Watches com Alfredo Paramico:
Era uma véspera de Ano-Novo, eu em casa com meus pais, absolutamente nada demais. Além do Talking Watches do John Mayer, descobri que no canal da Hodinkee havia alguns outros vídeos. Era bem no início mesmo, devia ter uns sete vídeos só. Eu mal sabia quem era o Ben, muito menos quem era o Paramico. O convidado era um dos maiores colecionadores do mundo, conhecido mesmo na indústria por ter tido vários dos relógios mais importantes já feitos. Naquele momento, quando eu abria um Talking Watches, eu queria era saber se a pessoa tinha um Paul Newman em estado impecável. Era aquilo que eu tinha como “ápice”.
Justamente por isso, esse vídeo foi TÃO importante, pois com ele cheguei a várias conclusões e tive várias epifanias enquanto via aquele bate-papo. E isso sem nenhuma taça de vinho sequer no organismo. Bateu organicamente. Eu provavelmente estava tomando uma Coca Zero.
O Ben nasceu para fazer esse mundo ir para a frente. É um comunicador e um entrevistador nato. O Paramico foi um convidado extraordinário também. Durante a conversa, no vaivém de peças, eu tinha começado a achar os Pateks Calatrava que estavam ali bonitos, mas eu queria ver mais. “Você já teve um dos relógios mais valiosos e únicos que existem, entre outros. Depois disso, existe algo a mais que você busca?”, perguntou o Ben.
“Eu não sei se existe ou não, mas me falaram que, em 1942, a Patek fez três 1518s bem especiais em aço e ouro rosa dois tons. (…) Um rumor foi que um dos relógios foi feito para o Rei da Romênia.” (Alfredo Paramico)
A chave virou aí. Como falei no podcast, a melhor forma na qual eu consigo exemplificar isso foi como se eu estivesse na base do Monte Everest e naquela hora, todas as nuvens tivessem sumido. Eu consegui ver o topo daquilo ali. O impacto de escutar alguém notório na indústria, por já ter tido o que há de melhor no mundo, não saber se o relógio que ele almeja sequer existe, foi muito provocante.
Eu vi muita profundidade. Mas muita. Como pode alguém que já viu tudo, já teve tudo, extremamente bem conectado, não saber? Foi um mix vívido e potente de encantamento e reflexão.
Logo depois disso, outras epifanias vieram. Em primeiro lugar, eu sequer sabia o que era um Patek 1518. É esse aqui:
Eu não tinha nem conhecimento para saber o que era esse relógio, nem ideia da importância dele, e nem por que alguém ia querer pagar milhões de dólares nisso. Um outro fato curioso é a naturalidade com que as pessoas desse meio falam dos modelos dos relógios pelos números de referência. Com o passar do tempo, a gente aprende o que é o que, mas, até lá, o Google é seu melhor amigo.
O que ficou muito claro com essa simples interação foram alguns pontos cruciais. Eu lembro nitidamente da forma cristalina que isso ficou gravado na minha mente:
O universo dos relógios é gigante, e a vertente mais profunda e obscura é o vintage.
Eu preciso ter apreciação e conhecimento sobre os relógios modernos, não só da Patek, mas das outras marcas também.
Eu preciso ter apreciação e conhecimento sobre as referências que antecedem esses relógios modernos, não só da Patek, mas das outras marcas também.
Eu preciso entender o porquê de esse Patek Philippe 1518 ser tão importante.
Eu preciso entender os detalhes das outras variações do 1518, nos outros metais.
Não é só porque o todo de aço é o mais raro, ou o que o Paramico não sabe se existe (mais raro ainda em teoria), que eles precisam ser meus favoritos ou sequer as versões que eu acho mais bonitas. Preciso ver todas com calma para entender qual seria minha “queridinha”.
Em teoria, o pico do conhecimento desse hobby é a apreciação por Patek Philippe vintage.
Eu tive para mim mesmo que eu queria ter a profundidade de conhecimento que eles tinham para, de fato, conseguir apreciar esse mundo na íntegra. Eu vi o macro. Eu gostei.
Link para o vídeo aqui
2499 Eric Clapton
Ao mesmo tempo que eu tive essa percepção do quão amplo esse mundo é, um outro caso genial foi o Ben dissertando sobre o Patek Philippe 2499 de platina que foi do Eric Clapton. O mais curioso aqui é que, essencialmente, era um relógio consagrado de uma figura consagrada. Um relógio mítico no punho do guitarrista supremo.
Esse relógio em específico é tido como um dos mais importantes já feitos, e a versão feita em platina, só existem duas no mundo. Uma que foi do Clapton, e a outra que está no museu da marca. Só. Lenda por lenda, o mix do músico com essa peça por si só já é algo surreal. Porém, o que eu enxerguei ali foi uma capacidade vital de enxergar detalhes no meio de um contexto muito rico.


O Ben comentou sobre a fonte da letra “J” na escrita da data. Quem, em sã consciência, ia notar isso no meio dessa fábula? Na minha opinião, só alguém que realmente tem apreço genuíno pelo que está vendo. Essa capacidade de ir no detalhe do detalhe e ver um ponto tão pequenino, mas tão encantador, foi outro game-changer. Eu lembro bem de ter visto isso pela primeira vez e ter saído em choque. Pense na sensação de morder o melhor croissant que você já comeu na vida. Foi isso.
Link para o artigo aqui
Hoje em dia
Não mudou muito não, eu ainda sou muito fã do Ben, muito fã da Hodinkee, e eu ainda consumo muito conteúdo sobre relógios. O que eu posso dizer com certeza é que eu conheço mais peças, mais histórias, e tenho uma opinião mais definida do que eu gosto (e do que eu não gosto), e precisão para poder entender isso. Alguns dos bullet points que eu coloquei acima mudaram, obviamente, e outras coisas foram adicionadas. Mas a essência é aquela mesma.
Por exemplo, um dos relógios lançados este ano que me chamou muita atenção foi esse aqui. Pedro Mazer, um outro irmão, mandou essa foto diretamente de Genebra durante a W&W e teria sido, sem dúvidas, a peça que eu não teria medido esforços para ver em mãos.
O que me chamava atenção no início era um Daytona Paul Newman; hoje em dia, é um relojoeiro independente que fez um relógio time-only com dial em pedra. O que especificamente eu gostaria, seria de fato ver aquilo, como um todo, pessoalmente.
Eu digo e repito que relógio é toque e sensação. E as maiores figuras da indústria falam bastante isso também, sobre ver e ter as peças em mãos. Para entender a minúcia dos detalhes, como as coisas se comportam em diferentes ângulos, e, mais importante: o que você vai sentir vendo aquilo ali.
Eu, logo de cara, ia focar na cor do mostrador, em especial na borda azul-clara em volta da pedra — achei o tom de azul que ele usou maravilhoso, um dos mais lindos que já vi. Obviamente, ia querer ver de perto a beleza da pedra, e, especialmente, o mecanismo. O tipo de acabamento foi bem tradicional, é fácil me agradar com esse côtes-de-Genève, essa arquitetura, e eu gostei bastante, mas bastante mesmo, do balance-wheel ser grande.
Se eu falasse essas duas últimas frases para o Paulo de dezoito anos, seria o mesmo que falar grego. Mas o ponto principal aqui é justamente esse: entender o que é o que. O movimento tem uma arquitetura linda (essas partes prateadas com esses pontinhos vermelhos em especial), e essas texturas em pequenas “ondas” são o acabamento sublime que ele fez, à mão. Aquele círculo ali no canto esquerdo inferior é o balance-wheel grande que mencionei. São esses os pequenos detalhes que, a não ser que a gente saiba o que é, nunca iríamos conseguir dar a devida importância. É isso que eu procuro hoje em dia.
Por isso, ver os relógios pessoalmente é um divisor de águas. Por mais que alguém me explique como foi fazer uma refeição Michelin, se eu mesmo não experimentar, eu nunca vou saber mesmo o impacto daquilo. A vontade de ver essas peças em mãos continua gigante e, à medida que eu for vendo, certamente dividirei no detalhe por aqui.
José! Sempre grato em ter vc por aqui! Olha, sobre o movimento eu iria um pouco além ainda, adoraria ver parafusos roxos, aquele tom bem específico mesmo que pode ser feito por calor também (assim como o azul). Mas imagino que a ideia era deixar tudo numa temática bem “pura”, sem misturar muitas cores, um aspecto austero bem intencional. Em compensação, temos a ALS colocando os parafusos azuis de sobre 😬🤩
É isso, o lindo da horologia é que é um eterno aprendizado, e em quanto mais aprendermos e conhecemos vamos aperfeiçoando e refinando nossos gostos! Saber e entender te dá uma visão muito mais ampla, do que simplesmente admirar um dial bonito visualmente! Isso me encanta e me desperta também o interesse de continuar estudando mais!